Arquivo de Nutrição - Folha - Saúde https://folhasaude.com.br/category/nutricao/ Wed, 19 Nov 2025 07:10:59 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.3 https://folhasaude.com.br/wp-content/uploads/2025/08/Five-Icon-Folha1-150x150.png Arquivo de Nutrição - Folha - Saúde https://folhasaude.com.br/category/nutricao/ 32 32 Consumo de ultraprocessados só irá cair com enfrentamento das grandes indústrias​ – Jornal da USP https://folhasaude.com.br/consumo-de-ultraprocessados-so-ira-cair-com-enfrentamento-das-grandes-industrias-jornal-da-usp/ https://folhasaude.com.br/consumo-de-ultraprocessados-so-ira-cair-com-enfrentamento-das-grandes-industrias-jornal-da-usp/#respond Wed, 19 Nov 2025 07:10:59 +0000 https://folhasaude.com.br/consumo-de-ultraprocessados-so-ira-cair-com-enfrentamento-das-grandes-industrias-jornal-da-usp/ O terceiro artigo da série explica que são as grandes corporações globais, e não escolhas individuais, as principais responsáveis pelo aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, e defende que uma resposta global de saúde pública a esse desafio é urgente e viável. Os autores destacam que as empresas que fabricam e comercializam esses alimentos usam ingredientes baratos e métodos industriais para reduzir custos, combinados com marketing agressivo e designs atraentes para impulsionar o consumo. Com vendas anuais globais de US$ 1,9 trilhão, os ultraprocessados representam o setor mais lucrativo da indústria alimentícia. Só os fabricantes respondem por mais da metade dos US$ 2,9 trilhões distribuídos a acionistas por todas as empresas de alimentos de capital aberto desde 1962. Esses lucros alimentam o crescimento do poder corporativo nos sistemas alimentares, permitindo que essas empresas ampliem sua produção, influência política e presença de mercado, moldando dietas em escala global. O trabalho revela que essas empresas empregam táticas políticas sofisticadas para proteger seus lucros, bloqueando regulações, influenciando debates científicos e moldando a opinião pública. Elas coordenam centenas de grupos de interesse em todo o mundo, fazem lobby com políticos, realizam doações eleitorais e usam a via judicial para atrasar políticas públicas. “Essas empresas costumam se apresentar como parte da solução, mas suas ações contam outra história, centrada em proteger lucros e resistir à regulação efetiva”, afirma Simon Barquera, pesquisador do Instituto Nacional de Saúde Pública do México. Segundo os pesquisadores, enfrentar os alimentos ultraprocessados requer uma nova visão para os sistemas alimentares, capaz de valorizar produtores locais diversos, preservar tradições alimentares culturais, promover equidade de gênero e garantir que os benefícios econômicos da produção de alimentos retornem às comunidades, e não apenas aos acionistas. “Assim como enfrentamos a indústria do tabaco há décadas, precisamos agora de uma resposta global ousada e coordenada para conter o poder desproporcional das corporações de ultraprocessados e construir sistemas alimentares que priorizem a saúde e o bem-estar das pessoas”, defende Karen Hoffman, professora da Universidade de Witwatersrand (África do Sul). “Vivemos hoje em um mundo onde nossas escolhas alimentares são cada vez mais dominadas pelos ultraprocessados, o que contribui para o aumento global da obesidade, diabetes e dos problemas de saúde mental”, conclui Baker. “Nosso estudo mostra que um caminho diferente é possível, um caminho em que governos regulamentam com eficácia, comunidades se mobilizam e dietas saudáveis tornam-se acessíveis e viáveis para todos”, conclui Baker”. A série da The Lancet sobre “Alimentos Ultraprocessados e Saúde Humana” contou com financiamento da Bloomberg Philanthropies. Entre as estratégias para mobilizar uma resposta global de saúde pública, os autores sugerem o estabelecimento de uma rede global de ação contra alimentos ultraprocessados para coordenar ações e o financiamento de coalizões nacionais para se engajarem em negociação política, comunicação, aspectos legais e pesquisa. “As recentes conquistas em defesa de direitos e políticas públicas, especialmente na América Latina e na África Subsaariana, oferecem lições importantes para ampliar a ação em outros lugares”, concluem. As conclusões do trabalho estão reunidas nos artigos: Mais informações: haraflaeschen@gmail.com, com Hara Flaeschen, Gerente de Comunicação do Nupens *Com informações da Comunicação do Nupens e da revista The Lancet **Estagiária sob orientação de Moisés Dorado Jornal USP

O post Consumo de ultraprocessados só irá cair com enfrentamento das grandes indústrias​ – Jornal da USP apareceu primeiro em Folha - Saúde.

]]>

O terceiro artigo da série explica que são as grandes corporações globais, e não escolhas individuais, as principais responsáveis pelo aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, e defende que uma resposta global de saúde pública a esse desafio é urgente e viável. Os autores destacam que as empresas que fabricam e comercializam esses alimentos usam ingredientes baratos e métodos industriais para reduzir custos, combinados com marketing agressivo e designs atraentes para impulsionar o consumo. Com vendas anuais globais de US$ 1,9 trilhão, os ultraprocessados representam o setor mais lucrativo da indústria alimentícia. Só os fabricantes respondem por mais da metade dos US$ 2,9 trilhões distribuídos a acionistas por todas as empresas de alimentos de capital aberto desde 1962. Esses lucros alimentam o crescimento do poder corporativo nos sistemas alimentares, permitindo que essas empresas ampliem sua produção, influência política e presença de mercado, moldando dietas em escala global.

O trabalho revela que essas empresas empregam táticas políticas sofisticadas para proteger seus lucros, bloqueando regulações, influenciando debates científicos e moldando a opinião pública. Elas coordenam centenas de grupos de interesse em todo o mundo, fazem lobby com políticos, realizam doações eleitorais e usam a via judicial para atrasar políticas públicas. “Essas empresas costumam se apresentar como parte da solução, mas suas ações contam outra história, centrada em proteger lucros e resistir à regulação efetiva”, afirma Simon Barquera, pesquisador do Instituto Nacional de Saúde Pública do México.

Segundo os pesquisadores, enfrentar os alimentos ultraprocessados requer uma nova visão para os sistemas alimentares, capaz de valorizar produtores locais diversos, preservar tradições alimentares culturais, promover equidade de gênero e garantir que os benefícios econômicos da produção de alimentos retornem às comunidades, e não apenas aos acionistas. “Assim como enfrentamos a indústria do tabaco há décadas, precisamos agora de uma resposta global ousada e coordenada para conter o poder desproporcional das corporações de ultraprocessados e construir sistemas alimentares que priorizem a saúde e o bem-estar das pessoas”, defende Karen Hoffman, professora da Universidade de Witwatersrand (África do Sul).

“Vivemos hoje em um mundo onde nossas escolhas alimentares são cada vez mais dominadas pelos ultraprocessados, o que contribui para o aumento global da obesidade, diabetes e dos problemas de saúde mental”, conclui Baker. “Nosso estudo mostra que um caminho diferente é possível, um caminho em que governos regulamentam com eficácia, comunidades se mobilizam e dietas saudáveis tornam-se acessíveis e viáveis para todos”, conclui Baker”. A série da The Lancet sobre “Alimentos Ultraprocessados e Saúde Humana” contou com financiamento da Bloomberg Philanthropies.

Entre as estratégias para mobilizar uma resposta global de saúde pública, os autores sugerem o estabelecimento de uma rede global de ação contra alimentos ultraprocessados para coordenar ações e o financiamento de coalizões nacionais para se engajarem em negociação política, comunicação, aspectos legais e pesquisa. “As recentes conquistas em defesa de direitos e políticas públicas, especialmente na América Latina e na África Subsaariana, oferecem lições importantes para ampliar a ação em outros lugares”, concluem.

As conclusões do trabalho estão reunidas nos artigos:

Mais informações: haraflaeschen@gmail.com, com Hara Flaeschen, Gerente de Comunicação do Nupens

*Com informações da Comunicação do Nupens e da revista The Lancet

**Estagiária sob orientação de Moisés Dorado



Jornal USP

O post Consumo de ultraprocessados só irá cair com enfrentamento das grandes indústrias​ – Jornal da USP apareceu primeiro em Folha - Saúde.

]]>
https://folhasaude.com.br/consumo-de-ultraprocessados-so-ira-cair-com-enfrentamento-das-grandes-industrias-jornal-da-usp/feed/ 0
de vilão a mocinho, a história que a ciência reescreveu – Jornal da USP https://folhasaude.com.br/de-vilao-a-mocinho-a-historia-que-a-ciencia-reescreveu-jornal-da-usp/ https://folhasaude.com.br/de-vilao-a-mocinho-a-historia-que-a-ciencia-reescreveu-jornal-da-usp/#respond Fri, 24 Oct 2025 02:29:33 +0000 https://folhasaude.com.br/de-vilao-a-mocinho-a-historia-que-a-ciencia-reescreveu-jornal-da-usp/ Por Hamilton Roschel, coordenador do grupo de pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da Escola de Educação Física e Esporte e da Faculdade de Medicina da USP Ah, o café! Do aroma que preenche a cozinha ao calor reconfortante da xícara entre as mãos, aquele primeiro gole que parece despertar cada célula do nosso corpo faz desse ritual matinal algo tão essencial quanto o próprio ato de respirar… Para milhões de brasileiros, a vida sem café seria como um samba sem cuíca: tecnicamente possível, mas algo estaria fundamentalmente errado. Mas como toda relação de amor intensa, essa também já teve seus momentos de crise e desconfiança. Lembra quando diziam que café dava úlcera? Ou que aumentava a pressão arterial a níveis estratosféricos? E, talvez o mais assustador de todos os rumores: que poderia causar câncer? Pois é, durante décadas, nossa bebida nacional viveu sob a sombra da suspeita oncológica, como aquele vizinho estranho de quem todos desconfiam, mas que contra o qual ninguém tem provas concretas. A história dessa desconfiança tem data marcada. Em 1991, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc), braço da Organização Mundial da Saúde para assuntos oncológicos, classificou o café como “possivelmente carcinogênico para humanos”. Era como se nosso amigo de todas as manhãs tivesse recebido uma ficha criminal. O motivo? Alguns estudos da época sugeriam uma possível ligação com câncer de bexiga. Mas, como em toda boa história de redenção, o tempo (e a ciência de melhor qualidade) tratou de limpar o nome do nosso estimado protagonista. Vamos entender como essa reviravolta aconteceu e o que realmente sabemos hoje sobre café e câncer. Aqueles primeiros estudos que levantaram suspeitas sobre o café tinham problemas metodológicos sérios. Eram principalmente estudos caso-controle, que comparam pessoas que já têm câncer com pessoas saudáveis, perguntando sobre seus hábitos passados. O problema? Nossa memória é falha e tendenciosa, especialmente quando estamos doentes e tentando entender “por que eu?”. Com o tempo, pesquisas mais robustas entraram em cena: os estudos prospectivos, que acompanham pessoas saudáveis por anos ou décadas, registrando seus hábitos em tempo real e observando quem desenvolve doenças. É como a diferença entre perguntar a alguém “o que você comeu nos últimos dez anos?” e acompanhar regularmente o cardápio dessa pessoa durante uma década. Resta seguro dizer qual método é mais confiável, não? E o que esses estudos melhores nos mostraram? Uma reviravolta digna de novela das nove: em vez de aumentar o risco de câncer, o consumo de café estava associado a um risco menor para vários tipos de tumores. Os números são impressionantes. Análises combinando dezenas de estudos mostram que os bebedores de café têm, em média, um risco aproximadamente 18% menor de desenvolver qualquer tipo de câncer quando comparados aos abstêmios da bebida. E para alguns tipos específicos de tumores, a proteção parece ainda mais significativa. O câncer de fígado, por exemplo, tem uma relação quase linear com o café: quanto mais xícaras por dia, menor o risco. Pessoas que tomam três a quatro xícaras diárias têm aproximadamente 40% menos chance de desenvolver esse tipo de tumor. Para o câncer de endométrio a proteção também é substancial. Para outros tipos comuns, como câncer colorretal, de próstata e de pele, os estudos mostram efeitos protetores mais modestos ou, em alguns casos, nenhuma associação clara, o que, convenhamos, já é uma ótima notícia considerando a suspeita inicial. A reviravolta foi tão dramática que, em 2016, a mesma Iarc que havia colocado o café na lista de suspeitos voltou atrás e retirou a classificação de “possivelmente carcinogênico”. Foi como uma retratação pública: “Desculpe, café, parece que cometemos um engano”. Aqui a história fica ainda mais interessante. O café não é apenas cafeína dissolvida em água quente. É uma das bebidas mais quimicamente complexas que consumimos, contendo uma grande variedade de compostos diferentes, muitos deles com propriedades biológicas bastante potentes. Os polifenóis e outros antioxidantes presentes no café podem ajudar a combater o estresse oxidativo e a inflamação crônica, dois processos intimamente ligados ao desenvolvimento de tumores. Compostos como os ácidos clorogênicos podem influenciar a expressão de genes relacionados ao câncer e melhorar a sensibilidade à insulina. A própria cafeína, em si, parece ter efeitos antiproliferativos em algumas células cancerígenas. No caso específico do fígado, o café parece melhorar a função hepática e reduzir a fibrose (cicatrização), criando um ambiente menos propício para o desenvolvimento de tumores. Considerando que o fígado é nossa central de desintoxicação, não é de surpreender que ele agradeça por essa ajuda extra. Antes que você decida aumentar seu consumo para níveis exorbitantes, algumas ressalvas são necessárias. Primeiro, a temperatura importa, e muito. Bebidas muito quentes podem aumentar o risco de câncer de esôfago devido ao dano térmico repetido ao tecido. Isso vale para qualquer líquido, seja café, chá ou chimarrão. Então, aquela pausa para esfriar um pouco a bebida não é apenas para evitar queimar a língua, mas também uma medida preventiva contra o câncer. Segundo, embora o café descafeinado também mostre alguns efeitos protetores, os benefícios parecem ser mais pronunciados com o café tradicional, com cafeína. Isso sugere que, embora outros compostos do café sejam importantes, a cafeína pode ter seu próprio papel nessa história. Terceiro, durante a gravidez, a moderação continua sendo a palavra de ordem. Estudos associam o consumo elevado de cafeína ao baixo peso ao nascer, e as recomendações atuais sugerem limitar a ingestão da bebida. Finalmente, é importante deixar claro que o café (como qualquer outro alimento) não é uma poção mágica anticâncer, mas parte de um estilo de vida que pode, e deve (na medida do possível), incluir outros hábitos saudáveis. Os bebedores de café também podem se exercitar mais, não fumar, manter uma alimentação saudável e ter outros comportamentos que influenciam o risco de câncer. Portanto, equilíbrio continua sendo uma boa ideia. Os benefícios mais consistentes são observados com consumo de três a quatro xícaras por dia. Além disso, efeitos colaterais como ansiedade, insônia e problemas digestivos podem aparecer com consumo excessivo. Então, da próxima vez

O post de vilão a mocinho, a história que a ciência reescreveu – Jornal da USP apareceu primeiro em Folha - Saúde.

]]>

Por Hamilton Roschel, coordenador do grupo de pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da Escola de Educação Física e Esporte e da Faculdade de Medicina da USP


Ah, o café!

Do aroma que preenche a cozinha ao calor reconfortante da xícara entre as mãos, aquele primeiro gole que parece despertar cada célula do nosso corpo faz desse ritual matinal algo tão essencial quanto o próprio ato de respirar… Para milhões de brasileiros, a vida sem café seria como um samba sem cuíca: tecnicamente possível, mas algo estaria fundamentalmente errado.

Mas como toda relação de amor intensa, essa também já teve seus momentos de crise e desconfiança. Lembra quando diziam que café dava úlcera? Ou que aumentava a pressão arterial a níveis estratosféricos? E, talvez o mais assustador de todos os rumores: que poderia causar câncer? Pois é, durante décadas, nossa bebida nacional viveu sob a sombra da suspeita oncológica, como aquele vizinho estranho de quem todos desconfiam, mas que contra o qual ninguém tem provas concretas.

A história dessa desconfiança tem data marcada. Em 1991, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc), braço da Organização Mundial da Saúde para assuntos oncológicos, classificou o café como “possivelmente carcinogênico para humanos”. Era como se nosso amigo de todas as manhãs tivesse recebido uma ficha criminal. O motivo? Alguns estudos da época sugeriam uma possível ligação com câncer de bexiga.

Mas, como em toda boa história de redenção, o tempo (e a ciência de melhor qualidade) tratou de limpar o nome do nosso estimado protagonista. Vamos entender como essa reviravolta aconteceu e o que realmente sabemos hoje sobre café e câncer.

Aqueles primeiros estudos que levantaram suspeitas sobre o café tinham problemas metodológicos sérios. Eram principalmente estudos caso-controle, que comparam pessoas que já têm câncer com pessoas saudáveis, perguntando sobre seus hábitos passados. O problema? Nossa memória é falha e tendenciosa, especialmente quando estamos doentes e tentando entender “por que eu?”.

Com o tempo, pesquisas mais robustas entraram em cena: os estudos prospectivos, que acompanham pessoas saudáveis por anos ou décadas, registrando seus hábitos em tempo real e observando quem desenvolve doenças. É como a diferença entre perguntar a alguém “o que você comeu nos últimos dez anos?” e acompanhar regularmente o cardápio dessa pessoa durante uma década. Resta seguro dizer qual método é mais confiável, não?

E o que esses estudos melhores nos mostraram? Uma reviravolta digna de novela das nove: em vez de aumentar o risco de câncer, o consumo de café estava associado a um risco menor para vários tipos de tumores.

Os números são impressionantes. Análises combinando dezenas de estudos mostram que os bebedores de café têm, em média, um risco aproximadamente 18% menor de desenvolver qualquer tipo de câncer quando comparados aos abstêmios da bebida. E para alguns tipos específicos de tumores, a proteção parece ainda mais significativa.

O câncer de fígado, por exemplo, tem uma relação quase linear com o café: quanto mais xícaras por dia, menor o risco. Pessoas que tomam três a quatro xícaras diárias têm aproximadamente 40% menos chance de desenvolver esse tipo de tumor. Para o câncer de endométrio a proteção também é substancial. Para outros tipos comuns, como câncer colorretal, de próstata e de pele, os estudos mostram efeitos protetores mais modestos ou, em alguns casos, nenhuma associação clara, o que, convenhamos, já é uma ótima notícia considerando a suspeita inicial.

A reviravolta foi tão dramática que, em 2016, a mesma Iarc que havia colocado o café na lista de suspeitos voltou atrás e retirou a classificação de “possivelmente carcinogênico”. Foi como uma retratação pública: “Desculpe, café, parece que cometemos um engano”.

Aqui a história fica ainda mais interessante. O café não é apenas cafeína dissolvida em água quente. É uma das bebidas mais quimicamente complexas que consumimos, contendo uma grande variedade de compostos diferentes, muitos deles com propriedades biológicas bastante potentes. Os polifenóis e outros antioxidantes presentes no café podem ajudar a combater o estresse oxidativo e a inflamação crônica, dois processos intimamente ligados ao desenvolvimento de tumores. Compostos como os ácidos clorogênicos podem influenciar a expressão de genes relacionados ao câncer e melhorar a sensibilidade à insulina. A própria cafeína, em si, parece ter efeitos antiproliferativos em algumas células cancerígenas.

No caso específico do fígado, o café parece melhorar a função hepática e reduzir a fibrose (cicatrização), criando um ambiente menos propício para o desenvolvimento de tumores. Considerando que o fígado é nossa central de desintoxicação, não é de surpreender que ele agradeça por essa ajuda extra.

Antes que você decida aumentar seu consumo para níveis exorbitantes, algumas ressalvas são necessárias. Primeiro, a temperatura importa, e muito. Bebidas muito quentes podem aumentar o risco de câncer de esôfago devido ao dano térmico repetido ao tecido. Isso vale para qualquer líquido, seja café, chá ou chimarrão. Então, aquela pausa para esfriar um pouco a bebida não é apenas para evitar queimar a língua, mas também uma medida preventiva contra o câncer.

Segundo, embora o café descafeinado também mostre alguns efeitos protetores, os benefícios parecem ser mais pronunciados com o café tradicional, com cafeína. Isso sugere que, embora outros compostos do café sejam importantes, a cafeína pode ter seu próprio papel nessa história.

Terceiro, durante a gravidez, a moderação continua sendo a palavra de ordem. Estudos associam o consumo elevado de cafeína ao baixo peso ao nascer, e as recomendações atuais sugerem limitar a ingestão da bebida.

Finalmente, é importante deixar claro que o café (como qualquer outro alimento) não é uma poção mágica anticâncer, mas parte de um estilo de vida que pode, e deve (na medida do possível), incluir outros hábitos saudáveis. Os bebedores de café também podem se exercitar mais, não fumar, manter uma alimentação saudável e ter outros comportamentos que influenciam o risco de câncer. Portanto, equilíbrio continua sendo uma boa ideia. Os benefícios mais consistentes são observados com consumo de três a quatro xícaras por dia. Além disso, efeitos colaterais como ansiedade, insônia e problemas digestivos podem aparecer com consumo excessivo.

Então, da próxima vez que alguém olhar com desconfiança para sua xícara de café, você pode compartilhar essa história de redenção científica. Nosso companheiro de todas as manhãs não só foi inocentado das acusações, como ganhou uma medalha de honra por serviços prestados à saúde pública.

Como em tantas áreas da nutrição e da saúde, a história do café nos ensina que a ciência é um processo contínuo, e nossas certezas de hoje podem ser revisadas amanhã – não por capricho ou incompetência, mas porque assim funciona o avanço do conhecimento.

Por enquanto, parece que podemos continuar desfrutando de nosso ritual matinal não apenas com prazer, mas também com a tranquilidade de saber que, além de despertar nossos neurônios, aquela xícara fumegante pode estar fazendo mais bem ao nosso corpo do que imaginávamos.

________________
(As opiniões expressas nos artigos publicados no Jornal da USP são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem opiniões do veículo nem posições institucionais da Universidade de São Paulo. Acesse aqui nossos parâmetros editoriais para artigos de opinião.)



Jornal USP

O post de vilão a mocinho, a história que a ciência reescreveu – Jornal da USP apareceu primeiro em Folha - Saúde.

]]>
https://folhasaude.com.br/de-vilao-a-mocinho-a-historia-que-a-ciencia-reescreveu-jornal-da-usp/feed/ 0
Modelo atual de produção de alimentos esgota a Terra e mantém desigualdade – Jornal da USP https://folhasaude.com.br/modelo-atual-de-producao-de-alimentos-esgota-a-terra-e-mantem-desigualdade-jornal-da-usp/ https://folhasaude.com.br/modelo-atual-de-producao-de-alimentos-esgota-a-terra-e-mantem-desigualdade-jornal-da-usp/#respond Tue, 07 Oct 2025 23:24:44 +0000 https://folhasaude.com.br/modelo-atual-de-producao-de-alimentos-esgota-a-terra-e-mantem-desigualdade-jornal-da-usp/ Relatório mostra que sistemas alimentares acabam com recursos naturais e aumentam emissões de gases do efeito estufa sem garantir comida para toda a população  Publicado: 07/10/2025 às 8:00 O estudo reforça que ajustar as dietas em escala mundial tem o poder de salvar cerca de 15 milhões de vidas anualmente. Além disso, a pesquisa aponta que, com uma ação coordenada e global para transformar nossos sistemas alimentares, é possível reverter os danos e operar novamente dentro das fronteiras seguras do planeta. Essa mudança também permitiria uma redução drástica nas emissões anuais de gases de efeito estufa do setor, diminuindo-as em mais da metade em comparação com a manutenção do modelo atual. O relatório destaca que a justiça social é um pilar fundamental para melhorar a saúde e o desenvolvimento da sociedade. A realidade atual é alarmante: menos de 1% da população mundial vive no que os cientistas chamam de “espaço seguro e justo” uma condição onde os direitos humanos e as necessidades alimentares são plenamente atendidos sem comprometer a saúde do planeta. A desigualdade é um traço marcante do sistema: o documento aponta que quase um terço (32%) dos trabalhadores do setor alimentício não recebe um salário que garanta uma vida digna. Ao mesmo tempo, a parcela mais rica da população (30%) é responsável por mais de 70% dos danos ambientais causados pela produção e consumo de alimentos. Esse cenário coexiste com uma contradição gritante: embora o mundo produza calorias suficientes para todos, mais de 1 bilhão de pessoas ainda passam fome. Apoiado nas mais recentes evidências científicas e em projeções de alta tecnologia, este novo relatório funciona como um mapa para o futuro, definindo as diretrizes de como podemos alimentar uma população global de 9,6 bilhões de pessoas de maneira nutritiva e igualitária até 2050, tudo isso sem esgotar os recursos do nosso planeta. O estudo deixa claro que alterar a cadeia produtiva e nossos pratos de comida desencadeia uma onda de benefícios. Essas mudanças são capazes de melhorar a saúde em escala global, garantir comida de qualidade para todos (a chamada segurança alimentar e nutricional), promover mais estabilidade social e econômica, e ainda servir como uma estratégia fundamental para tornar o setor alimentício mais justo e com melhores condições de trabalho para todos os envolvidos. Para que o sistema alimentar seja sustentável de verdade, tanto para as pessoas quanto para o planeta, a regra precisa ser clara: recursos, benefícios e também os custos devem ser distribuídos de forma muito mais justa. Isso significa garantir as bases sociais que dão às pessoas o direito à alimentação, a um trabalho digno e a um ambiente saudável. A comissão defende que qualquer transformação real e eficaz precisa levar em conta tanto as necessidades das pessoas quanto os limites do planeta, pois só assim construiremos um futuro seguro e justo para todos. Com base em sua análise aprofundada, a comissão apresenta um plano de ação com oito soluções práticas para um futuro mais saudável, ecológico e justo. Entre elas estão: Valorizar e incentivar as dietas tradicionais e saudáveis de cada povo; Tornar alimentos saudáveis mais acessíveis e baratos, criando ambientes que estimulem uma maior procura por eles; Adotar práticas de produção que sejam sustentáveis, capazes de capturar carbono da atmosfera, recuperar hábitats naturais e melhorar tanto a qualidade quanto a disponibilidade de água; Frear completamente o avanço da agricultura sobre ecossistemas que ainda estão intactos; Combater o desperdício e a perda de alimentos em todas as etapas, da fazenda à mesa; Garantir condições de trabalho dignas para todos os profissionais que atuam na cadeia alimentar; Dar voz e poder real de decisão aos trabalhadores do sistema alimentar, assegurando que sejam ouvidos, e Reconhecer e proteger ativamente os direitos dos grupos mais vulneráveis. Para cada uma dessas soluções, o relatório oferece um verdadeiro “cardápio” de ações práticas, incluindo medidas como a valorização de alimentos tradicionais e saudáveis nas políticas nutricionais dos países, o fomento a sistemas de sementes locais, o reaproveitamento de alimentos que seriam descartados e o aprimoramento de práticas agroecológicas que ajudam a preservar os ecossistemas. O documento também faz um chamado direto por mudanças econômicas, como a reforma de subsídios para que alimentos saudáveis e nutritivos se tornem mais baratos e acessíveis a todos, além da criação de leis e mecanismos de fiscalização que garantam trabalho digno e representação real para os trabalhadores do setor. Contudo, essa transformação só será verdadeiramente justa se for construída de forma colaborativa. Isso exige a formação de alianças com todos os setores envolvidos, a definição de ações prioritárias, a criação de planos de ação em nível nacional e regional, a captação de recursos financeiros e, finalmente, a execução desses planos em conjunto, para que governos, empresas e a sociedade civil possam finalmente trabalhar unidos em prol de um avanço real. *Com informações do Nupens**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado Política de uso A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo. Leia mais Talvez você goste também Jornal USP

O post Modelo atual de produção de alimentos esgota a Terra e mantém desigualdade – Jornal da USP apareceu primeiro em Folha - Saúde.

]]>










Relatório mostra que sistemas alimentares acabam com recursos naturais e aumentam emissões de gases do efeito estufa sem garantir comida para toda a população