Tarefas cognitivas devem ser feitas após exercício físico – Jornal da USP

Tarefas cognitivas devem ser feitas após exercício físico – Jornal da USP

Quando corpo e mente disputam o mesmo tanque de energia, o cérebro tende a vencer por pequena margem, sustentando a clareza cognitiva e deixando os músculos trabalharem um pouco menos Por Izabel Leão Já reparou como fica difícil manter a cadência no pedal ou no trote quando tentamos resolver um problema de cabeça? Essa sensação tem base fisiológica. Pesquisadores brasileiros investigaram, por meio de eletroencefalografia, a dinâmica cérebro-músculo em 13 ciclistas de alto desempenho submetidos a três condições experimentais: execução exclusiva do Teste de Stroop; esforço contínuo de 12 min em ciclo ergômetro; e realização simultânea das duas tarefas. O estudo teve como arcabouço teórico a Teoria do Cérebro Egoísta, segundo a qual, em cenários de competição energética, o sistema nervoso central salvaguarda a própria eficiência mesmo em detrimento do sistema locomotor. O que muda no cérebro quando corpo e mente trabalham juntos? Na condição combinada, o EEG revelou aumento significativo na potência das bandas delta e theta — frequências lentas associadas à manutenção de processos básicos e à integração sensório-motora — e, concomitantemente, queda nas bandas alpha, beta e gama, que refletem processamento mais rápido e dispendioso. Além disso, elevou-se a razão theta/beta, indicador consolidado de sobrecarga cognitiva. Esse padrão sugere que, em ambiente de competição por recursos, o cérebro adota um “modo econômico”: diminui atividades de alto custo metabólico e redireciona energia para garantir vigilância mínima, coordenação motora fina e solução da tarefa mental em curso. Do ponto de vista evolutivo, tal estratégia se mostra adaptativa: preservar funções cognitivas essenciais pode representar a diferença entre tomar decisões corretas e sucumbir em situações críticas. Assim, a alteração nas oscilações cerebrais observada no estudo corrobora o pressuposto central da Teoria do Cérebro Egoísta: mesmo em atletas altamente treinados, o sistema nervoso central é capaz de reorganizar seu padrão de ativação para manter o desempenho cognitivo, ainda que isso signifique reduzir a potência disponível para o sistema locomotor.  Quem perde desempenho, corpo ou mente? Sob a dupla tarefa, os ciclistas relataram maior cansaço mental — percepção compatível com o aumento da razão theta/beta —, mas não perceberam grande diferença na fadiga muscular propriamente dita. A mensuração objetiva, no entanto, contou outra história: a cadência de pedaladas diminuiu progressivamente ao longo dos 12 minutos quando o Stroop era realizado simultaneamente, indicando perda de desempenho físico. Curiosamente, a performance cognitiva (acurácia e tempo de resposta no Stroop) manteve-se praticamente inalterada. Em outras palavras, o cérebro conseguiu resguardar a precisão e a velocidade de processamento das respostas, enquanto o sistema muscular absorveu o ônus energético — um sacrifício sutil, porém mensurável, que confirma a hierarquia funcional proposta pela Teoria do Cérebro Egoísta. Em esportes que exigem decisões rápidas sob esforço intenso, esse achado reforça a importância de treinar atletas em condições de “dupla tarefa” para que a queda no rendimento físico seja minimizada sem comprometer a tomada de decisão. Quando corpo e mente disputam o mesmo tanque de energia, o cérebro tende a vencer por pequena margem, sustentando a clareza cognitiva e deixando os músculos trabalharem um pouco menos. Treinadores podem usar esse conhecimento para incluir exercícios de decisão e atenção durante trabalhos físicos, simulando a realidade dos jogos. Para nós, amadores, vale a dica inversa: se a meta é alto rendimento físico, talvez seja melhor deixar tarefas cognitivas para depois do exercício físico. . Jornal USP

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