Eliana Bistriche Giuntini explica os perigos da transformação da nutrição em caça likes e do culto à magreza extrema
Por Sophia Vieira*

Em meio à ascensão das redes sociais como orientadoras de tendências, a nutrição se tornou mais um alvo da batalha entre ciência e moda. Redes sociais transformaram o que se come em performance; likes, seguidores e vídeos curtos passam a ditar padrões do que é “saudável”. Dietas restritivas, fórmulas prontas e o chamado “jejum inteligente” se vendem como soluções universais para alcançar o corpo ideal — mesmo que o preço seja a própria saúde. Mas o que está por trás dessas recomendações? Quem explica os riscos é Eliana Bistriche Giuntini, pós-doutoranda na Faculdade de Saúde Pública da USP. “Não é fácil diferenciar, porque esses influenciadores são muito convincentes. Têm pesquisadores sérios na mídia, então uma coisa necessária é ver a publicação, checar o nome desse influencer, ver a sua formação”, aponta a pesquisadora.
O problema, no entanto, não se restringe ao perfil de quem divulga as informações. Segundo Eliana, o que está em jogo são os efeitos concretos dessas dietas na saúde física e emocional das pessoas: “O problema é a divulgação dessas dietas milagrosas, principalmente essas muitas restritivas, quando há exclusão de algum nutriente. Porque muitas vezes você pode acabar tendo perdas de vitaminas e minerais e algum outro problema até hepático”.

Para ela, as consequências vão além dos impactos físicos. O discurso do emagrecimento rápido afeta diretamente a subjetividade e a relação das pessoas com a comida. Comer vai muito além de contar calorias: trata-se de um ato cultural, social e psicológico: “O prazer de se alimentar, fundamental para a saúde mental e o respeito ao corpo, é sacrificado em nome de um ideal estético imposto pelas mídias”. No centro dessa lógica, está a transformação do corpo em um cálculo matemático. “A maior parte dessas dietas de moda, quando você vai analisar, no final, elas todas visam à redução de energia, porque o desbalanço entre o consumo de energia e o gasto energético acaba sendo a chave de qualquer dieta”, explica. Em vez da exclusão de alimentos, Eliana defende a reeducação alimentar como um processo gradativo e inclusivo: “O ideal é que se coma de tudo, fazer refeições com vários alimentos, e quem quer emagrecer tem que ir reduzindo as porções do que gosta de comer gradativamente”.
Lógica do engajamento
A pesquisadora também critica a adesão de profissionais da saúde à lógica do engajamento, que transforma a informação em mercadoria: “O mais triste é ver que muitos profissionais da saúde acabam fazendo esse tipo de postagem, porque no final vai ter muita monetização. Ele acaba recebendo por isso”. Nesse cenário, o conhecimento científico é sufocado pela busca por visibilidade: “Falar que o ideal é mudar o comportamento alimentar, comer de tudo, em quantidades menores e tudo mais, não dá like, não dá engajamento”.
Para Eliana, os efeitos são perceptíveis: desinformação em massa, normalização de práticas nocivas e adoecimento psíquico. “Essa busca incessante de peso ideal acaba gerando muitas distorções. Como a gente vê em casos de pessoas que estão excessivamente magras em função de anorexia ou bulimia”, aponta a pesquisadora. Ela alerta, também, para a preocupante patologização da restrição alimentar extrema, até mesmo as intolerâncias alimentares viraram alvo de autodiagnósticos apressados, muitas vezes sem qualquer respaldo técnico. “O autodiagnóstico generalizado cria estigmas e exclusões desnecessárias. São doenças que precisam ser realmente diagnosticadas, não fazer uma suposição pessoal de que tem intolerância a isso ou aquilo”, comenta.
Ao final, a disputa não é apenas sobre o que vai ao prato, mas sobre o imaginário coletivo a respeito do corpo, da saúde e da beleza. “Essas coisas, que são postadas de uma forma tão acentuada, acabam criando no imaginário das pessoas que uma dieta saudável exclui alimentos com glúten e com lactose”, finaliza.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo