Falta de maturidade emocional, de apego, de atitude, de comunicação, de interesse, de carinho, e essa lista pode continuar. A “falta de” e suas inúmeras variações foram citadas por mulheres consultadas pela Folha quando questionadas sobre o que as deixa pessimistas quanto aos relacionamentos heterossexuais.
“Durante um ‘date’, um homem levou 43 minutos —sim, eu cronometrei —para fazer uma pergunta sobre mim”, conta Marcela Azoubel, 26, que trabalha com marketing. “Ele só falava dele, e isso foi muito chato”, completa. Recém-solteira, ela se diz heteropessimista e afirma que o episódio só reforçou um sentimento que já era nutrido mesmo quando ela estava em um relacionamento.
Cunhado pelo teórico americano em sexualidade Asa Seresin, o termo heteropessimismo descreve a desilusão de mulheres heterossexuais com os relacionamentos amorosos. É uma descrença não na possibilidade do amor, mas especificamente na capacidade dos homens de hoje de serem parceiros emocionalmente maduros. Das 20 mulheres consultadas pela Folha, 18 dizem ter se identificado com a expressão.
Entre as duas que ainda têm esperança, uma afirma não se considerar pessimista porque não tem buscado relacionamentos. A outra, embora reconheça que a situação é difícil, diz acreditar que já esteve mais desiludida e agora tem visto bons exemplos de comportamento masculino ao seu redor.
“É engraçado porque, se me perguntasse isso dois anos atrás, eu provavelmente seria uma das pessoas mais pessimistas que você ia encontrar. E não é que hoje eu seja otimista, mas eu mudei um pouquinho a maneira de ver as coisas”, diz a roteirista Cristina Vieira, 36.
A cirurgiã dentista Marina Boschilia, 25, conta que passou por situações que a fizeram perder a vontade de conhecer alguém, pois sente que muitos homens agem da mesma forma. No início eles são gentis, atenciosos e interessados, mas tudo isso se perde com o tempo, ela diz.
Esse é o mesmo pensamento da programadora Laura Borba, 30. Ela conta que, quando conhece um homem que parece “fora da curva”, já fica na expectativa da frustração e acabou criando um mecanismo de defesa: demonstra pouco interesse para acreditar menos nos seus próprios sentimentos e, assim, se proteger de uma decepção.
Borba relata que suas experiências recentes com homens a fazem crer que a falta de comunicação e a superficialidade das interações estão se tornando comuns, especialmente em ambientes antes conhecidos como favoráveis ao flerte, como bares e baladas. “Nem mesmo o interesse recíproco parece se desenvolver em algo mais significativo.”
O heteropessimismo tem fundamento?
Essas críticas aos homens têm fundamento? A resposta parece estar no descompasso entre os processos de transformação dos gêneros. As mulheres começaram esse movimento décadas antes dos homens, afirma a psicanalista Maria Homem, que também é professora e escritora.
“Desde o século 19 já se viam sementes do que viria a ser o feminismo, uma reconfiguração do lugar do feminino”, observa Maria Homem, em referência a movimentos como o sufragismo e a luta por educação.
Com o tempo, as mul heres conquistaram seus direitos, e em muitos lugares hoje elas podem estudar, trabalhar, votar, escolher suas roupas e exercer autonomia sobre seus corpos e sua sexualidade. Essas conquistas, embora variem conforme classe social, cultura e país, transformaram fundamentalmente o que significa ser mulher.
Essa autonomia permite às mulheres escolher não se casar ou não depender economicamente de parceiros, uma liberdade impensável para gerações anteriores, quando o casamento era sinônimo frequente de sobrevivência.
Segundo projeções de 2019 da Morgan Stanley, empresa global de serviços financeiros que faz também projeções demográficas, 45% das mulheres norte-americanas em idade economicamente ativa (25 a 44 anos) estarão solteiras até 2030, o maior percentual da história.
Enquanto as mulheres avançam em pautas feministas, os homens parecem ficar para trás. No Brasil, estudo de 2023 do Instituto Ipsos e da ONU Mulheres mostrou que apenas 38% dos homens entrevistados se identificam como feministas.
Pesquisador de masculinidades, o psicanalista Daniel Barral lembra que os homens se beneficiam das desigualdades de gênero. “Um dos maiores desafios em discutir novas masculinidades está na dificuldade de abrir mão de privilégios”, diz Barral.
“Movimentos masculinistas ganham popularidade porque é mais fácil eximir os homens de responsabilidade. É um discurso que dispensa a autocrítica e reforça que não é preciso questionar a posição social masculina”, acrescenta.
Raízes históricas
A divisão social de gênero que conhecemos hoje tem raízes históricas nos séculos 15 a 17, durante a transição do feudalismo para o capitalismo, em que as mulheres foram sistematicamente excluídas das atividades econômicas.
Esse processo ganhou mais força depois com a revolução industrial, que consolidou a separação entre trabalho produtivo (remunerado e masculino) e reprodutivo (não remunerado e feminino), cristalizando o papel das mulheres como responsáveis pelo trabalho doméstico.
Nem tudo é pessimismo
Apesar do cansaço com padrões masculinos tóxicos, a roteirista Cristina Vieira diz que encontrar homens realmente abertos ao diálogo e dispostos a mudar em nome de interações mais saudáveis renovou sua esperança nos relacionamentos.
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Discussões, notícias e reflexões pensadas para mulheres
Na avaliação da psicóloga Marta Carmo, mestre em psicologia do desenvolvimento, a chave para uma visão menos pessimista está justamente no desenvolvimento da inteligência emocional masculina.
“Os homens precisam se conectar com seus próprios afetos sem associá-los a ‘coisa de mulher'”, diz ela, que também critica o ideal romântico do “felizes para sempre”. “A realidade das relações é complexa e demanda aceitar que tudo tem fim, inclusive o amor. É como as amizades, algumas duram a vida toda, outras são sazonais, e isso é natural.”
Além disso, a busca por amparo em redes de amizade é citada como alternativa pelas especialistas e também pelas mulheres consultadas pela reportagem.
“Eu diria para o meu eu mais novo: pare de procurar o príncipe encantado e invista nas relações femininas para evitar certas dores de cabeça”, diz Marcela Azoubel. O nível de empatia, de autoconhecimento e de querer evoluir das mulheres é muito superior. Para os homens é fácil —o mundo foi feito para eles