Djamila Ribeiro: como pensar em classe sem discutir raça? – 20/02/2025 – Todas

Uma mulher com cabelo preso em tranças e óculos grandes está falando em um microfone. Ela usa uma blusa escura e gesticula com a mão direita enquanto se expressa. O fundo é azul com linhas e formas abstratas.

Discutir raça vai muito além da questão de identidade e perpassa estruturas econômicas, sociais e políticas do Brasil. Nesse contexto, tanto a direita quanto parte da esquerda se equivocam ao classificar discussões sobre racismo como identitárias. Essa foi uma das ideias defendidas por Djamila Ribeiro, filósofa e colunista da Folha, durante encontro com leitores realizado nesta quarta-feira (19), no auditório do jornal.

Ela respondia a um questionamento do estudante de jornalismo Henrique Carneiro sobre como convencer as pessoas, em meio a um cenário de polarização social, de que racismo e gênero são questões estruturais.

“No Brasil, existe uma esquerda que coloca classe acima de todas as outras opressões. Mas como a gente pode pensar em classe sem discutir raça em um país que teve a escravidão como base da economia?”, disse a escritora.

Por outro lado, continuou Djamila, pessoas conservadoras consideram o debate ultrapassado ou um vitimismo de pessoas negras. “É um grande espantalho argumentativo que se cria na hora em que a gente está discutindo essas questões.”

A saída para o convencimento estaria no diálogo, principalmente fora das redes sociais. Coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais, a autora contou que as viagens que fez para os lançamentos dos títulos foram uma experiência importante para entender os pensamentos dos brasileiros —inclusive os preconceituosos. “As pessoas são diferentes, precisamos tentar abrir minimamente espaços de convergência.”

Ela defende que escritores utilizem linguagem acessível. “Se a gente escreve de uma maneira elitista, é uma lógica de manutenção do poder. Nem todo mundo está interessado em quebrar essa lógica. Existe mais interesse em uma vaidade pessoal, de parecer muito inteligente, do que em se comunicar com as pessoas.”

Colunista da Folha desde 2019, Djamila comentou que o convite para escrever para o jornal foi uma oportunidade para ir além dos temas que costuma abordar em seus livros e romper com a ideia de que intelectuais negros estão restritos a determinados assuntos.

“É um espaço onde eu posso falar de música, da vida, do candomblé, sobre o tempo ou sobre o mar”, afirmou.

Ao final do encontro, a leitora Jennyffer Bekoy Tupinambá disse sentir-se representada pelas colunas de Djamila devido a semelhanças entre demandas raciais e a luta indígena. Ela é estrategista de uma agência de marketing feita por mulheres indígenas e ativista no enfrentamento à exploração sexual infantil.

Lembrou-se, emocionada, de uma reportagem publicada na Folha em junho de 2000 que relatou o reconhecimento do manto tupinambá pela então líder dos territórios indígenas tupinambás de Olivença, na Bahia, Amotara Tupinambá (Nivalda Amaral de Jesus).

A convite da Folha, Nivalda foi à Mostra do Redescobrimento, no parque do Ibirapuera, em São Paulo, em que o manto foi um dos itens exibidos. A partir de então iniciou-se o movimento pela repatriação da peça, que integrava o acervo do Museu Nacional da Dinamarca e, no ano passado, chegou ao Brasil para ser exposto no Museu Nacional, no Rio de Janeiro.

“Tenho me colocado humildemente para aprender mais sobre as diversas culturas, os povos indígenas, que são vários no Brasil”, afirmou Djamila em resposta ao comentário de Bekoy Tupinambá.

O evento aconteceu por ocasião do aniversário de 104 anos do jornal e foi mediado pela editora do caderno Guia Folha + Comida, Marília Miragaia.



Folha SP

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