Por que o cérebro guarda algumas memórias e outras não – 27/09/2025 – Equilíbrio

A imagem mostra uma seção transversal de um cérebro humano, destacando as dobras e sulcos da superfície cerebral. A imagem é em tons de preto e branco, com um contraste que revela a estrutura interna do cérebro, incluindo áreas que se assemelham a padrões orgânicos ou vegetais.

Chenyang “Leo” Lin estava em uma viagem para New Hampshire há dois anos quando parou para observar um grupo de esquilos correndo entre as árvores. Esse “momento brincalhão” ficou com ele. Ao final daquele dia, ele percebeu que podia recordar aquele momento “em detalhes vívidos” —e também os animais da fazenda que ele e seus colegas haviam visto mais cedo, a caminho de seu destino.

Essas eram cenas que Lin, um estudante de doutorado no Laboratório de Neurociência Reinhart da Universidade de Boston, diz acreditar que normalmente não teria lembrado. Ele conta que a experiência o fez questionar: por que o cérebro humano se apega a alguns momentos aparentemente comuns enquanto deixa outros escaparem?

Essa questão está no centro de um estudo publicado na Science Advances que os pesquisadores esperam que tenha amplas implicações práticas —por exemplo, na maneira como professores buscam maximizar a retenção de informações em seus alunos, ou como cuidadores interagem com pessoas com demência.

Escrito por Lin e outros pesquisadores da Universidade de Boston, o estudo conclui que nossos cérebros fortalecem seletivamente certas memórias quando estão associadas a experiências importantes, em um mecanismo conhecido como aprimoramento de memória. Como parte desse processo, o cérebro usa uma escala deslizante para decidir quais memórias preservar, de acordo com o estudo, que se baseia nos resultados de dez estudos individuais envolvendo cerca de 650 participantes.

O estudo, que passou por revisão por pares, sugere que vincular memórias “frágeis” —de eventos tipicamente rotineiros— a momentos memoráveis ou gratificantes poderia impedir que elas desaparecessem, e que fazer isso de maneira sistemática poderia ajudar a fortalecer memórias úteis ou enfraquecer as irrelevantes.

“A memória não é apenas um dispositivo de gravação passivo: nossos cérebros decidem o que importa, e eventos emocionais podem alcançar o passado para estabilizar memórias frágeis”, diz Robert M.G. Reinhart, professor de ciências psicológicas e cerebrais da Universidade de Boston e coautor do estudo, em um comunicado à imprensa. “Nosso estudo sugere que a relevância emocional poderia ser aproveitada de maneiras precisas.”

Para seu estudo, os pesquisadores conduziram três experimentos próprios e analisaram dados de sete experimentos independentes. Os experimentos da equipe envolveram mostrar diferentes imagens aos participantes, com algumas imagens permanecendo “neutras” e outras conectadas a bônus em dinheiro, ou “recompensas” —e depois aplicando um teste surpresa de memória no dia seguinte. Outros experimentos envolvendo o uso de imagens associadas a choques elétricos leves também foram analisados como parte do conjunto de dados.

Os pesquisadores descobriram que as pessoas eram mais propensas a lembrar de eventos “frágeis” que aconteceram logo antes de um evento emocional —neste caso, as recompensas ou choques— particularmente quando essas memórias tinham semelhanças com o evento, como uma cor correspondente ou pista visual. Eles também mostraram que as pessoas eram mais propensas a lembrar de memórias neutras que vieram após um evento importante se esse evento fosse importante ou significativo.

As descobertas mostram que “eventos emocionais não fortalecem todas as memórias próximas igualmente —o cérebro usa regras diferentes dependendo do tempo”, escreveu Lin, o autor principal do estudo, em um e-mail.

O efeito de aprimoramento de memória de uma experiência ou evento forte se aplicava principalmente a “memórias frágeis que de outra forma desapareceriam”, segundo Reinhart. Se as memórias não centrais também carregassem peso emocional por si mesmas, esse efeito era diminuído.

A memória é um indicador importante da saúde cognitiva, mas especialistas concordam que, independentemente da idade, ela é falível e maleável. Ao longo de nossas vidas, nossos cérebros processam uma quantidade incalculável de informações e decidem o que lembrar e o que esquecer, normalmente priorizando informações que são distintas e emocionalmente carregadas. Mesmo assim, nossas memórias estão sujeitas a mudanças.

À medida que os neurocientistas ampliaram sua compreensão do cérebro humano, eles também entenderam que existem maneiras de cuidar dele e reduzir o risco de perda de memória, incluindo exercícios regulares, sono adequado, limitação de álcool e estresse, e cultivo de laços sociais. Agora, este estudo poderia adicionar uma nova dimensão a esses esforços, mostrando como estratégias direcionadas podem ajudar pessoas em todas as fases da vida a reter melhor suas memórias, acreditam os pesquisadores.

Maria Wimber, neurocientista cognitiva da Universidade de Glasgow, na Escócia, que não esteve envolvida com o estudo, diz que suas descobertas eram “intrigantes”.

“Para mim, uma grande lição é esta: nossas memórias não são instantâneos fixos. Elas são dinâmicas, e seu destino pode mudar dependendo do que acontece a seguir”, escreveu ela em um email.

Lin espera que as descobertas do estudo tenham implicações “das salas de aula às clínicas”. Isso poderia mudar a forma como os professores abordam suas aulas, diz ele, porque sugere que um aluno pode ter uma chance melhor de reter uma aula de história se ela estiver vinculada a uma experiência gratificante, “como resolver um quebra-cabeça que rende pontos ou integrá-la em uma história que desperta curiosidade”.

E em alguém com demência, uma memória frágil de deixar os óculos na mesa “pode ser ancorada mais firmemente se emparelhada com algo relevante e significativo”, como uma “música favorita, uma foto de família ou mesmo um pequeno presente”, disse Lin.

Uma limitação do estudo é que ele não mede os mecanismos cerebrais subjacentes que causam o aprimoramento da memória. Lin diz que uma teoria conhecida entre neurocientistas que estudam animais é que “memórias fracas podem ser ‘marcadas’ e posteriormente estabilizadas se forem seguidas por um evento saliente no que é conhecido como ‘marcação comportamental'”. Embora ele tenha dito que suas descobertas se alinham com essa teoria, ele espera usar imagens cerebrais e outras ferramentas no futuro para “observar os mecanismos cerebrais se desenrolarem em tempo real”.

Wimber, que conduz estudos comportamentais inspirados em animais, disse que o estudo é “importante” porque evidências da teoria de marcação comportamental em humanos têm sido “mistas”.

“É por isso que este novo trabalho é tão importante”, disse ela.

O estudo também é limitado pela natureza de seus experimentos, que dependiam de estímulos relativamente simples —como imagens de animais e ferramentas— em vez dos cenários e interações complexos que as pessoas normalmente encontram —e lembram, ou lutam para lembrar— na vida real. O próximo passo, disse Lin, é testar se o cérebro e o banco de memória reagem da mesma forma em situações cotidianas.



Folha SP

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