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Cuide-se
Ciência, hábitos e prevenção numa newsletter para a sua saúde e bem-estar
O jejum de dopamina é uma prática que começou no Vale do Silício e foi difundida nas redes sociais. Consiste em evitar atividades estimulantes por um período (24 horas, por exemplo), entre elas comer, ter interações sociais e usar celular, computador e TV. O objetivo final seria reduzir os níveis de dopamina no cérebro e garantir mais produtividade e bem-estar.
Reduzir o tempo gasto nas redes sociais pode até ser uma estratégia interessante, mas bloquear todos os estímulos por horas a fim de reduzir dopamina é uma prática não comprovada pela ciência.
Relembre: a dopamina é um neurotransmissor que influencia diretamente o comportamento, a motivação e o bem-estar. Ela age no controle dos movimentos, na regulação do humor, na atenção e no aprendizado, e no sistema de recompensa e de motivação.
Os níveis do neurotransmissor não diminuem ao evitar atividades estimulantes. Na verdade, ter menos dopamina no sistema nervoso não é algo positivo. A deficiência está associada a condições como depressão, TDAH (transtorno de déficit de atenção), hiperatividade e doença de Parkinson.
Baixos níveis dela podem causar apatia e desinteresse. “Abstenção de dopamina é algo muito ilusório. Qual é o outro lado da moeda? É a depressão. Se você não tem recompensa na vida, não quer fazer mais nada”, diz o neurologista Rubens Cury, coordenador do ambulatório de neuromodulação e distúrbios do movimento e Parkinson do Hospital das Clínicas da USP.
↳ Só faz sentido falar em redução de dopamina quando o excesso é identificado, e aí medicamentos com essa finalidade entram em jogo. A esquizofrenia, por exemplo, está associada a uma atividade dopaminérgica exagerada, assim como casos de vícios, compulsões e impulsividade.
O que realmente importa é o equilíbrio dinâmico. O cérebro usa dopamina para funções diferentes, então os níveis devem ser equilibrados em cada área do órgão para que o neurotransmissor aja adequadamente.
O que dá para fazer, então? Mudar questões do estilo de vida que podem prejudicar o sistema dopaminérgico.
Isso porque fatores genéticos e ambientais podem mexer no equilíbrio da dopamina. O neurologista Alex Baeta lista alguns:
- Genética: algumas pessoas têm variações nos receptores ou transportadores de dopamina que afetam sua sensibilidade.
- Envelhecimento: com a idade, há uma queda natural na produção e sensibilidade à dopamina.
- Estilo de vida: qualidade do sono ruim, estresse crônico, dieta pobre em nutrientes e falta de atividade física podem prejudicar o sistema.
Como não dá para alterar genética, nem barrar o envelhecimento, o que realmente pode fazer a diferença são os hábitos de cada um.
Essas mudanças no estilo de vida incluem saúde física e mental. O aspecto psicológico entra em jogo porque a dopamina age no sistema de recompensa e motivação.
↳ Ela estimula a repetição de comportamentos que trazem algum tipo de benefício e gera a motivação para buscar recompensas futuras. Ao mesmo tempo, precisa ser constantemente alimentada pela novidade (cria tolerância às experiências) e gosta da chance de erro (quanto mais incerta a conquista, mais dopamina).
Por isso, “quando falamos sobre o ‘problema’ da dopamina, estamos falando sobre esse sentimento de querer algo que está logo além do nosso alcance e persegui-lo com tanta força que não paramos para aproveitar o que temos no momento”, explica Michael E. Long, autor do livro “Como Domar a Dopamina” (editora Sextante).
Olhar para o “aqui e o agora” é uma das formas de viver em equilíbrio. Veja atividades e atitudes que promovem uma atividade dopaminérgica saudável:
Pratique exercícios, durma bem e tenha uma alimentação nutritiva
Surpresa não é. Se você lê esta newsletter com frequência, sabe que esses três são os pilares dos bons hábitos em saúde. Por isso, reforço a importância de priorizá-los na rotina.
Quem dorme o suficiente para garantir um sono reparador (lembre-se: essa quantidade varia de pessoa para pessoa, já expliquei aqui) ajuda o cérebro a reabastecer adequadamente suas “reservas” de dopamina.
Já o exercício, principalmente atividades aeróbicas, aumenta a frequência cardíaca e traz aptidão cardiovascular, o que ajuda nas sinapses, ou seja, melhora as conexões entre os neurônios, segundo Cury.
A dieta também auxilia na vascularização cerebral e evita (ou controla) outras doenças, como diabetes e colesterol. Os especialistas indicam uma alimentação rica em frutas e vegetais, sem excesso de gorduras e evitando ultraprocessados.
“É a parte clínica [controle de doenças crônicas], sono, dieta e exercício. Quando você junta tudo, a harmonia cerebral é muito maior”, diz o neurologista.
Coloque sua playlist favorita para tocar
Ouvir uma música que você gosta é capaz de ativar vias de recompensa ligadas a esse neurotransmissor no cérebro.
Inclusive, músicas consideradas complexas —que apresentam variações frequentes de estilo, elementos e volume— tendem a criar mais atividade neural do que as mais simples.
- Quer uma ajudinha? O escritor Michael E. Long traz uma indicação: ouça “Good Vibrations”, da banda The Beach Boys. Ela tem de tudo: mudanças de tom, instrumentos clássicos, de rock e até sons de um teremim.
Priorize atividades “aqui e agora”
A dopamina é o neurotransmissor do “querer”, focado na antecipação e no planejamento do futuro. Porém, quando a expectativa é substituída pela realidade (você alcança o que deseja), o sentimento pode ser de decepção. O prazer da conquista é passageiro, e a insatisfação ressurge.
↳ É como se a dopamina nos fizesse superestimar a satisfação futura.
Para cultivar o “aqui e agora”, segundo o autor do livro, você deve encontrar quais atividades do presente que te trazem satisfação. São exemplos: conversar com alguém, ler um livro, tocar um instrumento.
Um exercício: pegue papel e caneta, e faça uma lista das coisas que gosta ou quer fazer. Depois, entenda como elas podem fazer parte do seu dia e organize-se para encaixá-las nele. Um calendário pode ajudar.
- Gosta de ler? Separe 15 minutos do seu dia para isso. Pode ser enquanto no café da manhã ou antes de dormir.
Reflita sobre suas intenções. Durante o dia, questione-se: é isso mesmo que eu gostaria de estar fazendo? Isso pode ajudar você a ter uma sensação maior de controle e evitar somente reagir a impulsos.
- Sabe quando você pega o celular e, quando se dá conta, ficou por uma hora nas redes sociais? É o que queremos evitar. Desative as notificações para que o acesso seja uma escolha ativa, não uma reação.
Explore seus sentidos
A atenção plena, ou mindfulness, é uma forma de sair do piloto automático. Engaje com sua respiração, com os sons que escuta e com as etapas das tarefas que realiza.
- “Ao nos esforçarmos para vivenciar com nossos sentidos o que acontece ao redor, nos condicionamos naturalmente a ser mais observadores”, diz Long no livro.
O contato com a natureza é um bom exemplo e, não à toa, ele faz bem à saúde. Pense na sua última ida à praia ou a uma cachoeira: é quase impossível não notar os sons, os cheiros, as texturas e o visual deslumbrante.
Aprecie suas conquistas
Sonhar é bom, mas comemorar as conquistas é ainda melhor. Sempre que alcançar uma meta, pare e aproveite o prazer da conquista para satisfazer seus sentidos e sentir orgulho.
“Buscar significado mediante conquistas cotidianas nos trará felicidade ao longo do caminho”, escreve Long. “Não devemos apenas viver, mas também apreciar a vida enquanto avançamos rumo a um objetivo maior, melhor e mais duradouro.
O que você precisa saber
Notícias sobre saúde e bem-estar
Alta de mortes de jovens. As taxas de mortalidade entre adolescentes e adultos jovens já configuram uma crise emergente no mundo. Na América do Norte e América Latina, o aumento das mortes é atribuído ao suicídio e ao consumo de álcool e outras drogas. Na África Subsaariana, às doenças infecciosas e lesões não intencionais. Os dados constam no mais recente relatório Global Burden of Disease (GBD).
Exposição à ‘masculinidade digital’. Um estudo avaliou como esse tipo de conteúdo —sobre ganhar dinheiro, construir músculos, usar armas e atrair mulheres, entre outras coisas— se relaciona com o bem-estar emocional dos meninos de 11 a 17 anos nos EUA. A pesquisa da Common Sense Media mostra que aqueles com os maiores níveis de exposição são mais propensos a experimentar solidão e baixa autoestima.