Pessoas com nanismo lutam por novo remédio no SUS – 24/10/2025 – Equilíbrio e Saúde

Pessoas com nanismo lutam por novo remédio no SUS - 24/10/2025 - Equilíbrio e Saúde

Oito anos depois da criação do Dia Nacional de Combate ao Preconceito Contra as Pessoas com Nanismo, comemorado em 25 de outubro, brasileiros com essa condição continuam enfrentando o estigma, a desinformação, a falta de acessibilidade e dificuldades no acesso a tratamentos de saúde.

Estimativas indicam que, a cada 10 mil brasileiros, 3,2 apresentam nanismo —o que equivale a 65 mil pessoas. No mundo, são 3 milhões. Existem cerca de 750 tipos diferentes de nanismo desproporcionado descritos pela medicina, mas 80% dos casos se devem a uma condição genética chamada acondroplasia. Nela, uma mutação no gene FGFR3 o faz funcionar de maneira exagerada, afetando o crescimento dos ossos.

Associações de famílias lutam por visibilidade, respeito e políticas públicas para essa população. Neste mês, a Associação Nanismo Brasil (Annabra) promove a campanha “Não São Apenas Alguns Centímetros”, enquanto o Instituto Nacional de Nanismo (INN) organiza o evento “Somos Todos Gigantes”.

Como parte das atividades ligadas ao 25 de outubro, a Folha promove em 18 de novembro o seminário Avanços no Tratamento do Nanismo, com apoio da BioMarin. O evento, no auditório do jornal, terá duas mesas de debate, ambas com mediação de Jairo Marques, repórter e colunista da Folha, e será transmitido ao vivo via YouTube.

Um dos desafios em relação ao nanismo é conscientizar os brasileiros a não usarem a palavra “anão”, considerada discriminatória.

“A pessoa com nanismo ainda não saiu do lugar de ‘anão da piada’. A vinculação com o humor pejorativo ainda é muito pesada e traz reflexos na saúde mental e no dia a dia de adultos e crianças com essa condição”, afirma Juliana Yamin, presidente do INN.

Ela cita como exemplo o caso da influenciadora Caroline Queiroz, 15, exposta nas redes sociais depois que um homem saltou sobre ela e filmou a ação, e critica a impunidade diante desses casos. “As redes sociais estão inundadas de piadas, de bullying virtual e de discurso de ódio, mas nada é feito.”

Outra dificuldade é a falta de acessibilidade: não há regulamentação oficial das adaptações para pessoas com nanismo no Brasil.

No Rio de Janeiro, está em fase de teste o primeiro ônibus adaptado para este público, após denúncia do Ministério Público. Um dos problemas é a altura dos aparelhos que leem os bilhetes.

“A pessoa não alcança o validador, pede para que alguém passe o bilhete e depois é acusada de fraude porque quem foi fotografada foi a outra pessoa, e não ela”, explica Kenia Rio, presidente da Annabra. “Não estamos falando só sobre altura. Estamos falando de dignidade.”

Kenia Rio aponta outro gargalo enfrentado por pessoas com nanismo: o preconceito no mercado de trabalho.

“A adaptação necessária é pouca: só um tablado. Mesmo assim, as empresas só oferecem subemprego para pessoas com nanismo, apenas para cumprir cota. Acham que deficiente físico é limitado mentalmente. Tem muita gente formada que não consegue oportunidade.”

Conseguir acompanhamento médico especializado é outro problema. Os especialistas estão concentrados nos grandes centros, e há ainda menos opções para pacientes adultos.

“Todo mundo já viu uma pessoa com nanismo. Mas, mesmo entre pediatras, não há conhecimento dos problemas de saúde associados, alguns potencialmente graves. Tem casos de crianças que só recebem o diagnóstico de acondroplasia quando já estão com complicação neurológica”, afirma o geneticista Wagner Baratela, especialista em displasias esqueléticas e médico do Hospital Sírio-Libanês.

Também há dificuldade de acesso ao único medicamento capaz de atuar diretamente sobre a mutação genética que causa a acondroplasia. A vosoritida foi aprovada pela Anvisa em 2021, mas é de alto custo e ainda não está disponível pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Com o nome comercial Voxzogo, é produzida pela BioMarin.

Segundo o Ministério da Saúde, o pedido de adoção do medicamento foi recebido em setembro deste ano pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) e está em análise.

O geneticista explica que o tratamento traz ganhos significativos não só na altura, mas também na melhora das alterações esqueléticas.

“Isso tem muito impacto na funcionalidade, na capacidade de a criança conseguir se limpar sozinha quando vai no banheiro ou alcançar coisas mais altas, por exemplo”, diz o médico do Sírio-Libanês

Atualmente, 512 crianças utilizam o remédio no Brasil —a maioria, depois de ações judiciais.

“Tenho 60 anos e vivo todos os comprometimentos do nanismo: lordose, escoliose, rinite, problema de audição. Meu neto, que tem 12 anos e toma a medicação, cresceu 11 cm em dois anos. O remédio ajuda as crianças a respirarem melhor, a andarem melhor. Não é só estatura, é qualidade de vida”, diz Kenia Rio.

Mãe de um jovem de 18 anos com nanismo, Juliana Yamin diz que o preconceito foi aumentando à medida em que o filho crescia. Gabriel cresceu rodeado de amigos, mas não era convidado para festas de 15 anos e foi rejeitado pela família de uma namorada.

“Eu o eduquei para entender que ele não depende da validação de ninguém para ser feliz e construir o futuro que ele quer. Mas o 25 de outubro sempre chega para mim com uma sensação de que estamos andando a passos muito lentos. Enquanto os gestores públicos e a sociedade não olharem para nossa comunidade, entendendo que são pessoas que têm tido seus direitos violados historicamente, não vamos conseguir transformar essa realidade.”



Folha SP

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