Treino zona zero, popular nas redes sociais, não é reconhecido pela ciência – Jornal da USP

A imagem mostra duas pessoas caminhando em uma estrada de terra cercada por natureza. Elas estão de costas, andando lado a lado em direção ao pôr do sol. Ambas carregam mochilas — a pessoa à esquerda usa camiseta branca e bermuda escura, e a da direita veste regata amarela e calça legging cinza. O sol está baixo no horizonte, criando um brilho intenso e dourado que ilumina a cena. Ao redor, há campos verdes, árvores e um céu claro, transmitindo uma sensação de tranquilidade e fim de tarde.

Especialista da EEFERP alerta que prática não passa de exercício de intensidade muito baixa e não representa nova categoria de esforço

Por Susana Oliveira*

Caminhada é um exemplo prático de exercício na zona 1 de intensidade – Foto: Freepik

 

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Nos últimos anos, o termo zona zero ganhou popularidade entre praticantes de atividade física e influenciadores digitais. A proposta é simples: realizar exercícios em intensidade muito baixa, supostamente capazes de gerar benefícios cardiovasculares, controlar o estresse e facilitar a adesão ao treino. Apesar de soar inovador, o conceito não é reconhecido pela ciência.

De acordo com o professor Leonardo Coelho Rabello de Lima, da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP) da USP, a ideia de uma zona anterior à primeira fase do esforço físico não possui base fisiológica. Ele explica que o corpo humano responde ao exercício dentro de quatro zonas principais de intensidade e não cinco ou seis, como alguns modelos comerciais sugerem.

Leonardo Coelho Rabello de Lima (EEFERP) – Foto: Arquivo pessoal

Para o educador físico, o entendimento das zonas de intensidade é fundamental para compreender as adaptações do organismo ao treino. Ele explica que a zona 1 corresponde ao domínio moderado, quando o corpo sai do repouso e entra em exercício, mantendo ainda estabilidade fisiológica. Nessa fase, é possível sustentar a atividade por longos períodos, às vezes por várias horas, com sensação de conforto e controle da respiração.

À medida que a intensidade aumenta, o praticante entra na zona 2, chamada de domínio pesado. É quando o equilíbrio fisiológico começa a se quebrar e ocorre o acúmulo de lactato no sangue, uma substância resultante da produção de energia sem oxigênio. Isso reduz o tempo de sustentação do exercício, que pode durar em média 30 a 40 minutos.

A zona 3, por sua vez, é o domínio severo. Nela há pouca estabilidade fisiológica, o corpo acumula grandes quantidades de lactato e depende fortemente do metabolismo anaeróbico. O resultado é a fadiga rápida: o esforço pode durar apenas alguns minutos. Já a zona 4, conhecida como domínio extremo, é a mais intensa de todas, com predominância do metabolismo anaeróbico e duração de apenas segundos. A zona 5 normalmente é referida quando se divide a zona 1 em duas zonas, seria a zona 1 mais fraca ou a zona 1 mais próxima à zona 2.

O professor explica que, apesar de algumas abordagens falarem em cinco ou até seis zonas, esse modelo é mais uma construção perceptual e mercadológica do que científica. “Essas divisões adicionais costumam surgir por questões de mercado e percepção subjetiva, e não por parâmetros fisiológicos reais”, afirma o professor. Por isso, o chamado treino em zona zero nada mais é do que uma subdivisão artificial da zona 1, uma intensidade tão leve que não chega a configurar uma nova categoria de esforço.

O professor destaca que os treinos de baixa intensidade são, sim, importantes, especialmente para iniciantes ou pessoas com restrições de saúde. Caminhadas leves, pedais curtos ou trotes suaves ajudam a melhorar a circulação, reduzir a pressão arterial e fortalecer o sistema cardiovascular. “É uma boa estratégia para quem está começando uma rotina de exercícios, porque tem alta adesão e baixa percepção de desconforto”, explica.

No entanto, ele alerta que permanecer apenas nesse tipo de treino pode limitar o progresso físico. Para aumentar a aptidão e melhorar a capacidade funcional, o ideal é variar as intensidades ao longo da semana. Segundo ele, “qualquer monotonia é desinteressante, o corpo se adapta melhor quando há dias de esforço mais intenso e outros de recuperação ativa”.

O professor lembra também que o domínio moderado, correspondente à zona 1, é especialmente benéfico para quem tem hipertensão ou doenças cardiovasculares. Esse tipo de exercício promove vasodilatação, melhora o fluxo sanguíneo e contribui para a saúde do coração, sem elevar excessivamente a pressão arterial. Além disso, ele pode ser adaptado para quem sofre com dores ou limitações articulares, desde que se escolha atividades de menor impacto, como natação ou bicicleta.

A confusão em torno da chamada zona zero, segundo Lima, reforça a importância de buscar informações embasadas antes de iniciar um treino. “Do ponto de vista fisiológico, essa zona é inexistente. Pode até ser uma forma de prescrever exercícios leves, mas o corpo continua se exercitando na zona 1, que é a primeira faixa real de intensidade”, explica.

Para quem quer identificar se está dentro dessa faixa moderada, o professor indica um método simples: o teste da fala. Se a pessoa consegue conversar normalmente durante a atividade, sem precisar parar para recuperar o fôlego, provavelmente está na intensidade correta. “Um bom exemplo é tentar cantar o ‘Parabéns pra você’. Se for possível sem pausas, o exercício está na zona 1. Caso precise interromper para respirar, é sinal de que a intensidade está acima do ideal”, completa.

O professor reforça que o importante é encontrar prazer e constância na prática. “O exercício não deve ser uma tarefa árdua. Ele precisa ser algo prazeroso, que possa ser mantido por longo prazo. Isso é o que realmente gera adaptação e melhora da saúde”, conclui.

 

*Estagiária sob supervisão de Ferraz Junior e Gabriel Soares



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