Estudo retratado sobre agrotóxico lembra risco de câncer – 08/12/2025 – Equilíbrio e Saúde

Trator agrícola equipado com pulverizador aplica produto químico em campo aberto sob luz do sol nascente. Névoa se espalha sobre a plantação verde.

Uma revista científica retratou um estudo fundamental que concluiu que o glifosato —o ingrediente ativo de um dos herbicidas mais usados do mundo— não representa risco à saúde humana, reacendendo um novo debate sobre a possível ligação do químico ao câncer.

Cientistas e reguladores vêm há anos tentando determinar se o glifosato —ingrediente ativo do Roundup, produzido pela Monsanto até a empresa ser adquirida pela Bayer em 2018— causa câncer. Autoridades europeias e dos Estados Unidos não o classificaram como carcinogênico, enquanto a Organização Mundial da Saúde o considerou “provavelmente carcinogênico para humanos” em 2015.

Na última sexta-feira, a revista científica Regulatory Toxicology and Pharmacology retratou, ou seja, tirou de circulação, um estudo de 2000 que concluiu que “sob as condições atuais e esperadas de novo uso, não há potencial para que o herbicida Roundup represente risco à saúde humana”.

A retratação, assinada pelo coeditor-chefe, afirmou que há indícios de que funcionários da Monsanto “podem ter contribuído para a redação do artigo sem o devido reconhecimento como coautores”, que os autores podem ter sido pagos pela empresa sem declarar isso, e que as conclusões sobre o risco de câncer “se baseiam exclusivamente em estudos não publicados da Monsanto”.

Observando que o artigo “teve um impacto significativo nas decisões regulatórias sobre glifosato e Roundup por décadas”, a revista concluiu que “perdeu a confiança nos resultados e conclusões do artigo e acredita que sua retratação é necessária para manter a integridade da publicação”.

A Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA), que deve anunciar uma nova avaliação de risco à saúde humana sobre o glifosato no próximo ano, citou o estudo em sua revisão de 2016. Depois, determinou que o ingrediente do pesticida “provavelmente não é carcinogênico para humanos”.

Mas a porta-voz da EPA, Brigit Hirsch, disse em nota que a retratação não afetará o posicionamento da agência, pois ela não depende diretamente de artigos de revisão para suas análises de risco. Ela acrescentou que o estudo foi usado apenas como fonte para localizar outras pesquisas relevantes e garantir que a base de dados da agência fosse completa, mas não foi usado isoladamente.

“A retratação desta publicação não tem impacto na avaliação da EPA sobre o glifosato, que historicamente revisou mais de 6.000 estudos individuais em todas as áreas, incluindo saúde humana e ambiental”, disse Hirsch.

A influência da Monsanto sobre o estudo foi descoberta por meio de e-mails internos durante ações judiciais federais contra a empresa em 2017. A Bayer já gastou cerca de US$ 10 bilhões para resolver processos que alegam que a empresa não alertou consumidores sobre os impactos negativos do uso do Roundup.

Em comunicado, a Bayer defendeu a segurança do químico e disse que a participação da Monsanto foi citada adequadamente nos agradecimentos.

“O glifosato é o herbicida mais extensivamente estudado nos últimos 50 anos. Milhares de pesquisas foram realizadas sobre a segurança dos produtos à base de glifosato”, disse o porta-voz da Bayer, Brian Leake. “A grande maioria dos estudos publicados sobre o glifosato não teve envolvimento da Monsanto.”

Mas ativistas e cientistas afirmam que o estudo — um dos mais citados sobre a segurança do glifosato — sustentou regulações federais sobre o pesticida e que sua retratação levanta dúvidas sobre a literatura científica que veio depois dele.

Pesquisadores que estudaram os efeitos do glifosato na saúde humana dizem que o estudo retratado levou as pessoas a acreditarem prematuramente na segurança do químico e desestimulou formuladores de políticas a regulá-lo.

“Isso nos colocou no caminho errado”, disse Brenda Eskenazi, professora da escola de saúde pública da Universidade da Califórnia em Berkeley.

Alexander Kaurov e Naomi Oreskes, que solicitaram a retratação, publicaram em setembro uma pesquisa mostrando que o artigo está entre os 0,1% mais citados da literatura acadêmica sobre glifosato. Oreskes, professora de história da ciência na Universidade Harvard, disse que a manipulação e distorção da literatura científica significa que “a própria base para a tomada de decisões foi comprometida”.

“Mesmo que a EPA não dependa deste artigo específico, ela depende de muitos outros estudos que dependem desta revisão”, disse Kaurov, doutorando na School of Science in Society da Victoria University of Wellington. “É impossível chegar a qualquer decisão sem utilizar estudos que se baseiam nesta revisão.”

A controvérsia surge num momento em que o governo Trump apoia os esforços da Bayer para obter imunidade legal nos processos judiciais.

O Escritório do Procurador-Geral apresentou na terça-feira um documento em apoio à Bayer, argumentando que ações judiciais por “falha em alertar” em tribunais estaduais são invalidadas por lei federal. A Bayer está contestando um processo no Missouri, onde um júri concedeu US$ 1,25 milhão a um homem que alegou ter desenvolvido linfoma não Hodgkin após exposição ao Roundup.

“Durante décadas, a EPA classificou o glifosato como um químico que provavelmente não é carcinogênico para humanos, e aprovou centenas de rótulos para o Roundup e outros produtos à base de glifosato sem exigir um aviso de câncer”, afirmou o documento.

A Bayer também busca obter imunidade de responsabilidade legal relacionada ao glifosato em nível estadual e no Congresso.

Ao mesmo tempo, debates sobre os potenciais riscos do glifosato à saúde têm revelado profundas divisões entre o governo Trump e seus aliados do movimento “Make America Healthy Again” (MAHA).

O secretário de Saúde e Serviços Humanos, Robert F. Kennedy Jr., cujo departamento não supervisiona diretamente a regulação de pesticidas, critica o glifosato há anos. No ano passado, ele publicou que o químico era “um dos possíveis responsáveis pela epidemia de doenças crônicas na América” e, cinco anos antes, chamou a Monsanto de “o inimigo de todos os americanos admiráveis”.

Como advogado ambiental, Kennedy integrou a equipe que venceu, em 2018, um julgamento de US$ 289 milhões contra a Monsanto por alegações de que o herbicida causou câncer.

O apoio do governo à busca da Bayer por imunidade provocou críticas de ativistas do MAHA.

Vani Hari, autora, ativista e aliada de Kennedy conhecida como “Food Babe”, disse que, se a Bayer receber proteção de responsabilidade, ativistas do MAHA mudarão seu apoio político, impactando líderes e eleições futuras.

“Queremos que o presidente Trump cumpra sua promessa de proteger as famílias americanas de pesticidas tóxicos”, disse Hari.



Folha SP

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