Pesquisa avançada mantém HC de São Paulo na vanguarda – 09/06/2025 – Equilíbrio e Saúde

A imagem mostra um laboratório de análises com um microscópio em primeiro plano. Ao fundo, um profissional de jaleco branco está sentado em uma cadeira, trabalhando em uma bancada. Vários equipamentos de laboratório estão dispostos ao longo da mesa, e há tubos de ensaio coloridos organizados na frente do microscópio.

Entre os atributos de um hospital-escola está atuar na fronteira do conhecimento. É isso o que tem feito o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC). Eleito melhor hospital público do país em pesquisa Datafolha, o HC conduz estudos avançados com pacientes voluntários e participou do desenvolvimento das vacinas contra dengue e Covid-19, com o Instituto Butantan.

Segundo balanços atuais da instituição, foram iniciados 1.020 protocolos de pesquisa em 2023 e 1.296 em 2024. Para concentrar os trabalhos hoje distribuídos entre os nove institutos do hospital, a administração prevê inaugurar, no segundo semestre de 2026, um centro de pesquisas clínicas em um prédio que ainda está sendo construído.

No complexo hospitalar, afirma a professora Rossana Pulcineli, presidente do escritório que coordena os estudos, são feitas investigações propostas pela indústria farmacêutica com testes rigorosos rumo à aprovação regulatória.

Mas há ainda projetos elaborados por médicos do HC, docentes e pós-graduandos da faculdade de medicina. Os investigadores formulam hipóteses próprias e têm apoio de órgãos públicos de fomento, como CNPq, Capes e Fapesp.

Com o novo prédio, a estimativa é dobrar o número de projetos em execução. A instituição, diz Pulcineli, pode ampliar sua liderança no setor e passar de executora a propositora de estudos, não se restringindo apenas aos de iniciativa dos investigadores, mas também sugerindo pesquisas à indústria.

Esse passo tende a se beneficiar da diversidade de casos no HC. “Mesmo nas áreas mais difíceis, como idosos, pacientes com algum grau de imunossupressão, crianças e gestantes, nosso universo é muito grande. Temos condição de participar de qualquer tipo de pesquisa em qualquer uma dessas áreas”, afirma a presidente. “Essa é uma grande vantagem.”

Por ter uma população altamente miscigenada, diz a professora, o Brasil tem sido procurado como local estratégico em estudos internacionais. Essa diversidade genética amplia a validade dos resultados para diferentes regiões do mundo.

Completam os trabalhos desenvolvidos no HC as chamadas pesquisas de mundo real, que utilizam dados e evidências de populações mais amplas de pacientes para avaliações de medicamentos, além de aspectos como custo-efetividade e impacto de implantação de tecnologias na rede pública de saúde.

Esses estudos refletem a atuação do HC, que tem marcos na medicina como o primeiro transplante de rim e de útero da América Latina, o primeiro de coração do Brasil e o primeiro transplante intervivos de fígado no mundo.

A instituição ainda conduziu um transplante inédito do órgão em um caso de hepatite fulminante por febre amarela, que se tornou modelo nacional, e foi o primeiro hospital público do país a contar com um centro de ressonância magnética.

Na capital paulista, o HC também é um dos poucos da rede pública que realizam cirurgias robóticas. Os procedimentos, de mínima invasão, são feitos desde 2014 no Instituto do Câncer (Icesp) e, desde o ano passado, no Instituto Central. Cerca de 100 das 37 mil cirurgias anuais do HC são assistidas por robôs. Envolvem tanto casos oncológicos, como tumores de cabeça e pescoço e câncer de pâncreas, quanto quadros benignos, entre eles endometriose e hérnias abdominais.

A operação robótica garante destreza em espaços reduzidos, visão em alta resolução e conforto ergonômico ao médico, que opera sentado e com o rosto apoiado em um visor.

“Consigo usar uma pinça de cinco milímetros, com movimentos de punho, para dissecar uma lesão sem machucar o tecido saudável ao redor. Isso acelera a recuperação do paciente”, afirma o cirurgião do aparelho digestivo Ricardo Zugaib Abdalla.

Esse histórico de protagonismo, afirma o professor Edivaldo Massazo Utiyama, diretor clínico do hospital, remonta à origem da própria Faculdade de Medicina da USP, estruturada há mais de cem anos com apoio científico e acadêmico da Fundação Rockefeller.

Um dos compromissos assumidos na época, diz o diretor clínico, foi a construção de um hospital-escola pelo governo paulista, condição para viabilizar o modelo de formação idealizado e permitir que a comunidade acadêmica assumisse papel pioneiro. Desde então, ensino, pesquisa, assistência e gestão caminham juntos.

Exemplo disso foi a implementação, em 1945, do primeiro programa de residência médica do país, no serviço de ortopedia, pouco depois da fundação do HC, em 19 de abril de 1944, e sua contínua ampliação conforme a evolução da medicina.

“Se antes formávamos o obstetra, hoje formamos também quem faz cirurgia fetal. O avanço da residência caminha junto com o avanço tecnológico”, diz o professor.

Atualmente, são cerca de 1.100 alunos na graduação, mais de 1.800 na residência médica e multiprofissional e 3.374 no mestrado e doutorado. “Aqui se ensina porque se pesquisa”, destaca a professora Eloisa Bonfá, presidente do conselho deliberativo do HC e diretora da faculdade.

Principal complexo público de saúde da América Latina, o HC é uma referência em alta complexidade, com cerca de 1,4 milhão de consultas ambulatoriais anuais. Os atendimentos são regulados pelo Siresp, sistema estadual que organiza as demandas e controla o fluxo da rede, ou encaminhados por outros hospitais.

Os prontos-socorros do Instituto Central e do InCor (Instituto do Coração), com cerca de 135 mil atendimentos de urgência e emergência a cada ano, recebem só casos graves, levados por ambulâncias, resgates ou helicópteros, conforme diretriz do SUS.

Embora seja considerado modelo em infraestrutura e formação de profissionais, o hospital também enfrenta desafios em sua rotina. Em abril, um auxiliar de enfermagem foi preso em flagrante acusado de estuprar um paciente entubado e inconsciente na UTI do HC. O funcionário foi detido e desligado. A administração afirma colaborar com as investigações e prestar suporte ao paciente e aos familiares.

No complexo de 600 mil metros quadrados de área construída, além do centro de pesquisas clínicas, está sendo erguido o Instituto Dr. Ovídio Pires de Campos, que ampliará os atendimentos em oftalmologia, otorrino, bucomaxilo, cabeça e pescoço e cirurgia plástica craniofacial.

A expectativa, diz o superintendente Antonio José Pereira, é de que o instituto aumente em até 30% a capacidade assistencial. A entrega está prevista para 2028.

O HC também fortaleceu sua área de saúde digital, com mais de 600 mil teleconsultas realizadas desde 2020. “É uma forma de trazer equidade e eficiência ao sistema”, diz o superintendente.

“Um paciente transplantado, por exemplo, muitas vezes não precisa vir até aqui”, afirma Pereira. “Com a teleconsulta, ele pode ser atendido à distância, o que reduz custos, deslocamentos e até a emissão de carbono. É saúde, educação e sustentabilidade andando juntas.”



Folha SP

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