Aprendendo a ser visto depois de uma infância desaparecendo

Aprendendo a ser visto depois de uma infância desaparecendo

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“Os hábitos que você criou para sobreviver não servirão mais quando chegar a hora de prosperar.” ~Eboni Davis

Aprendi cedo como medir o perigo em uma sala. Com uma mãe narcisista, o ar pode mudar num instante – o seu tom cortando-me, lembrando-me que os meus sentimentos não tinham lugar.

Com um padrasto alcoólatra, a ameaça era mais alta, mais pesada e mais imprevisível. Ainda me lembro da batida das garrafas no balcão, do barulho de sua voz se transformando em punhos, da maneira como eu prendia a respiração no escuro, esperando que a tempestade passasse sem cair sobre mim.

Naquela casa, o amor não era seguro. O amor era sobrevivência. E sobreviver significava desaparecer – tornar-me pequeno, silencioso e invisível para não ocupar muito espaço num mundo já afogado no caos.

Numa casa como aquela não havia espaço para simplesmente ser criança. O humor de minha mãe vinha primeiro — sua dor, sua necessidade de controle. Com ela, aprendi a esconder as partes de mim que eram “demais”, porque nada do que eu fazia era suficiente. Com meu padrasto, aprendi a andar com cuidado, sempre atento ao perigo, sempre me preparando para a próxima erupção.

Então eu me tornei o quieto. O pacificador. A filha invisível que tentou evitar que a casa desmoronasse, mesmo quando ela já estava. Eu carregava um peso pesado demais para meus ombros pequenos, acreditando que era meu trabalho fazer com que as coisas ficassem bem, embora no fundo eu soubesse que não conseguiria.

Esses padrões não ficaram nas paredes da casa da minha infância; eles me seguiram até a idade adulta. Carreguei o silêncio como uma segunda pele, desaparecendo nos relacionamentos sempre que o amor começava a parecer inseguro. Aprendi a dar até ficar vazio, a me perder no cuidado dos outros, a acreditar que se permanecesse quieto o suficiente, pequeno o suficiente, poderia finalmente ser amado.

Mas o amor que exigiu que eu desaparecesse nunca foi amor. Foi a sobrevivência novamente. Eu me peguei repetindo os mesmos padrões, escolhendo parceiros que refletissem o caos com o qual cresci, desligando sempre que sentia demais. Confundi dor com amor, silêncio com segurança e, ao fazer isso, me abandonei repetidas vezes.

O custo foi alto: anos sentindo-se invisível, indigno e invisível. Anos acreditando que minha voz não importava, que minhas necessidades eram demais e que minha história era algo a esconder.

Por muito tempo, acreditei que eu era assim: invisível, indigno, feito para suportar a dor. Mas chegou uma noite em que até a sobrevivência parecia muito pesada. Eu estava sentado no frio, em uma tenda que chamava de lar, com nada além do silêncio me pressionando. O ar estava úmido, meu corpo tremia sob cobertores finos, cada som lá fora me lembrava de como eu me sentia insegura e sozinha.

E pela primeira vez, em vez de desaparecer naquele silêncio, sussurrei: “Não posso continuar vivendo assim.” As palavras eram trêmulas, mas pareciam uma tábua de salvação – a primeira coisa honesta que disse a mim mesmo em anos.

Não foi uma transformação dramática. Nada mudou durante a noite. Mas algo dentro de mim se abriu, uma pequena brasa de verdade que eu não tinha me permitido sentir antes: eu merecia mais do que isso. Eu era digno de mais do que sobreviver.

Esse sussurro se tornou uma semente. Comecei a escrever novamente, colocando no papel as palavras que nunca conseguiria dizer. Lentamente, essas palavras se tornaram uma tábua de salvação – uma forma de recuperar a voz que silenciei por tanto tempo. Cada página me lembrava que minha história era importante, mesmo que ninguém mais a tivesse contado. E pedaço por pedaço, comecei a acreditar.

Os padrões de sobrevivência protegem-nos, mas não têm de nos definir. Durante anos, desaparecer me manteve seguro. Ficar quieto me protegeu de conflitos que não conseguia controlar. Mas sobreviver não é o mesmo que viver, e os padrões que antes me protegiam não precisam mais moldar quem estou me tornando.

Escrever pode ser uma forma de recuperar sua voz. Quando não consegui falar, escrevi. Cada frase se tornou uma prova de que eu existia, de que minha história era real, de que eu tinha algo que vale a pena dizer. Às vezes, a cura começa com uma caneta e uma página – o simples ato de deixar a sua verdade tomar forma fora de você.

Não é egoísmo ocupar espaço. Enquanto crescia, acreditava que minhas necessidades eram demais e que minha presença era um fardo. Mas a verdade é que todos merecemos ser vistos, ouvidos, ocupar espaço no mundo sem desculpas.

Não precisamos curar sozinhos. Grande parte da minha dor veio de carregar tudo em silêncio. A cura me ensinou que há força em ser testemunhado, em deixar que os outros nos segurem quando o peso é grande demais para carregarmos sozinhos.

Ainda carrego os ecos daquela casa – o silêncio, o caos, as partes de mim que antes acreditavam que não era digna de amor. Mas hoje, eu os considero de forma diferente. Eles não me definem mais; eles me lembram o quão longe eu cheguei.

Não posso mudar a família em que nasci ou a dor que me moldou. Mas posso escolher como crescer com isso. E essa escolha – suavizar em vez de endurecer, falar em vez de desaparecer, curar em vez de carregar tudo em silêncio – mudou tudo.

Ainda estou aprendendo, ainda crescendo, ainda voltando para casa, para mim mesmo. Mas não desapareço mais. Agora sei que minha história é importante – e a sua também.

Então convido você a fazer uma pausa e se perguntar: onde você confundiu sobrevivência com amor? Que partes de você aprenderam a permanecer em silêncio e o que poderia acontecer se você lhes desse voz?

Mesmo o menor sussurro de verdade pode ser o começo de uma nova vida. Sua história também importa. Que você encontre coragem para parar de sobreviver e começar a viver de verdade.

Que todos possamos aprender a ocupar espaço sem desculpas, a falar as nossas verdades sem medo e a encontrar segurança não no silêncio, mas no amor.



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