Relatório mostra que sistemas alimentares acabam com recursos naturais e aumentam emissões de gases do efeito estufa sem garantir comida para toda a população
O estudo reforça que ajustar as dietas em escala mundial tem o poder de salvar cerca de 15 milhões de vidas anualmente. Além disso, a pesquisa aponta que, com uma ação coordenada e global para transformar nossos sistemas alimentares, é possível reverter os danos e operar novamente dentro das fronteiras seguras do planeta. Essa mudança também permitiria uma redução drástica nas emissões anuais de gases de efeito estufa do setor, diminuindo-as em mais da metade em comparação com a manutenção do modelo atual. O relatório destaca que a justiça social é um pilar fundamental para melhorar a saúde e o desenvolvimento da sociedade. A realidade atual é alarmante: menos de 1% da população mundial vive no que os cientistas chamam de “espaço seguro e justo” uma condição onde os direitos humanos e as necessidades alimentares são plenamente atendidos sem comprometer a saúde do planeta.
A desigualdade é um traço marcante do sistema: o documento aponta que quase um terço (32%) dos trabalhadores do setor alimentício não recebe um salário que garanta uma vida digna. Ao mesmo tempo, a parcela mais rica da população (30%) é responsável por mais de 70% dos danos ambientais causados pela produção e consumo de alimentos. Esse cenário coexiste com uma contradição gritante: embora o mundo produza calorias suficientes para todos, mais de 1 bilhão de pessoas ainda passam fome.
Apoiado nas mais recentes evidências científicas e em projeções de alta tecnologia, este novo relatório funciona como um mapa para o futuro, definindo as diretrizes de como podemos alimentar uma população global de 9,6 bilhões de pessoas de maneira nutritiva e igualitária até 2050, tudo isso sem esgotar os recursos do nosso planeta. O estudo deixa claro que alterar a cadeia produtiva e nossos pratos de comida desencadeia uma onda de benefícios.
Essas mudanças são capazes de melhorar a saúde em escala global, garantir comida de qualidade para todos (a chamada segurança alimentar e nutricional), promover mais estabilidade social e econômica, e ainda servir como uma estratégia fundamental para tornar o setor alimentício mais justo e com melhores condições de trabalho para todos os envolvidos. Para que o sistema alimentar seja sustentável de verdade, tanto para as pessoas quanto para o planeta, a regra precisa ser clara: recursos, benefícios e também os custos devem ser distribuídos de forma muito mais justa. Isso significa garantir as bases sociais que dão às pessoas o direito à alimentação, a um trabalho digno e a um ambiente saudável. A comissão defende que qualquer transformação real e eficaz precisa levar em conta tanto as necessidades das pessoas quanto os limites do planeta, pois só assim construiremos um futuro seguro e justo para todos.
Com base em sua análise aprofundada, a comissão apresenta um plano de ação com oito soluções práticas para um futuro mais saudável, ecológico e justo. Entre elas estão:
- Valorizar e incentivar as dietas tradicionais e saudáveis de cada povo;
- Tornar alimentos saudáveis mais acessíveis e baratos, criando ambientes que estimulem uma maior procura por eles;
- Adotar práticas de produção que sejam sustentáveis, capazes de capturar carbono da atmosfera, recuperar hábitats naturais e melhorar tanto a qualidade quanto a disponibilidade de água;
- Frear completamente o avanço da agricultura sobre ecossistemas que ainda estão intactos;
- Combater o desperdício e a perda de alimentos em todas as etapas, da fazenda à mesa;
- Garantir condições de trabalho dignas para todos os profissionais que atuam na cadeia alimentar;
- Dar voz e poder real de decisão aos trabalhadores do sistema alimentar, assegurando que sejam ouvidos, e
- Reconhecer e proteger ativamente os direitos dos grupos mais vulneráveis.
Para cada uma dessas soluções, o relatório oferece um verdadeiro “cardápio” de ações práticas, incluindo medidas como a valorização de alimentos tradicionais e saudáveis nas políticas nutricionais dos países, o fomento a sistemas de sementes locais, o reaproveitamento de alimentos que seriam descartados e o aprimoramento de práticas agroecológicas que ajudam a preservar os ecossistemas.
O documento também faz um chamado direto por mudanças econômicas, como a reforma de subsídios para que alimentos saudáveis e nutritivos se tornem mais baratos e acessíveis a todos, além da criação de leis e mecanismos de fiscalização que garantam trabalho digno e representação real para os trabalhadores do setor. Contudo, essa transformação só será verdadeiramente justa se for construída de forma colaborativa. Isso exige a formação de alianças com todos os setores envolvidos, a definição de ações prioritárias, a criação de planos de ação em nível nacional e regional, a captação de recursos financeiros e, finalmente, a execução desses planos em conjunto, para que governos, empresas e a sociedade civil possam finalmente trabalhar unidos em prol de um avanço real.
*Com informações do Nupens
**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado
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