O impacto da operação policial no Rio para as mulheres – 05/11/2025 – Todas

Mulher ajoelhada com camiseta marrom e calça jeans rasgada apoia a cabeça sobre corpo coberto por lençol branco manchado, cercada por pessoas em pé.

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A operação policial nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, deixou 121 civis mortos e se tornou a mais letal da história do estado. As imagens emblemáticas dos corpos estendidos por moradores na praça da Vila Cruzeiro revelam uma dinâmica de gênero da violência armada: sobre os mortos masculinos, choram as mulheres.

A gerente de relações institucionais do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Juliana Martins, explica que os homens são os que mais morrem por violência armada no país. O Atlas da Violência de 2025 mostra, por exemplo, que eles são 94% das vítimas de homicídio entre jovens.

Para as mulheres, fica a tarefa de organizar o luto e seguir cuidando da família que resta.

“São as mulheres que vão procurar o acolhimento inicial, vão aos hospitais, ao IML [Instituto Médico Legal]”, afirma Tainá Alvarenga, coordenadora do eixo de direito à segurança pública e acesso à Justiça da ONG Redes da Maré.

A organização acompanha os desdobramentos de ações como a deflagrada na terça-feira (28) desde 2016, na Maré, e observa um padrão, em que são as familiares femininas —mães, esposas, irmãs e filhas— as responsáveis pelas buscas aos mortos e também aos presos.

Na Penha e no Alemão, como mostrou a repórter Bruna Fantti, não foi diferente. Uma mãe, Tauã Brito, 36, reconheceu o filho de 21 anos entre os corpos da praça.

No caso de mortos em operações policiais, muitos dos quais possuem ligação com o tráfico de drogas (os perfis divulgados sobre a mais recente mostram que metade tinha mandado de prisão), o luto vem acompanhado também de culpabilização das mulheres, explica a professora de serviço social da PUC-Rio Nilza Nunes.

“Elas não só choram a morte dos seus filhos, mas precisam processar a dor da culpabilização”, diz Nilza. “Elas mesmas dizem: ‘e se eu nunca tivesse vindo para cá?’, ‘e se eu não morasse aqui?’”, afirma a professora.

Na porta do IML, enquanto esperava a liberação do corpo do filho que teve aos 15 anos, Tauã falou sobre o luto. “Eu estou vendo muita gente falando sobre a mãe de um dos policiais que morreram. A dor dela não é diferente da minha, porque ela é mãe como eu e como todas as mães dos corpos que estavam lá”, disse à Rádio Itatiaia.

Em alguns casos, cabe às mulheres lutar pela exoneração de filhos acusados injustamente de fazerem parte de facções, lembra Tainá, da Redes da Maré. No caso de Marcus Vinícius, 14, morto a caminho da escola em 2018, imagens que o mostravam com um fuzil circularam pelas redes.

Os perfis divulgados dos mortos na operação também mostram que, às vezes, as mulheres são as únicas presentes. Um terço dos homens, entre 14 e 55 anos, não tinham o nome do pai na certidão de nascimento.

“Esse é um recorte importante, porque mostra que para esse um terço são crianças que cresceram provavelmente só cuidados pela mãe, com mais de um filho muitas vezes, tendo que sustentar, tendo que se virar para poder dar conta. E essa é a realidade de muitas mulheres no nosso país”, diz Juliana.

As especialistas questionam a ausência de responsabilidade do Estado. “As mulheres são culpadas pelas ações dos filhos, mas que condições são dadas a elas para criar essas crianças?”, indaga Nilza. Na Maré, por causa de operações policiais, crianças ficaram 37 dias sem aula, segundo a ONG Redes da Maré.

A responsabilidade que recai sobre essas familiares enlutadas faz com que sofram com problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade, afirma Tainá. “Mas elas não encontram acolhimento, não há uma política voltada para elas”, diz.

Uma mulher para conhecer

Viúva de Carlos Marighella, a alagoana nasceu em Maceió em 1925. Foi filiada ao PCB (Partido Comunista Brasileiro), viveu na clandestinidade e integrou a ALN (Ação Libertadora Nacional), organização de luta armada fundada por Marighella. Morreu nesta segunda-feira (3), aos 100 anos.

Após o assassinato do companheiro pela ditadura, em 1969, Clara se exilou em Cuba, onde viveu por dez anos. Voltou ao Brasil em 1979 com a Lei de Anistia e se filiou ao PT.

Mais tarde, ajudou na fundação da Associação Mulheres pela Paz, cuja atuação começou com a seleção de 52 brasileiras para compor uma indicação coletiva de mil mulheres para o prêmio Nobel da Paz de 2005.



Folha SP

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